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"A luta do negro é permanente", afirma o vereador Marcelino

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"A luta do negro é permanente", afirma o vereador Marcelino

Por: Sheila Barretto

Marcelino é vereador de Camaçari pelo PT (Foto: Sheila Barretto/CN)

Camaçari tem hoje na Câmara Municipal um representante da militância do povo negro. José Marcelino de Jesus Filho, o vereador Marcelino, contou um pouco sobre a sua trajetória de vida, o primeiro contato com a política e o caminho até se tornar vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Marcelino também contou sobre casos de racismo e na luta diária dos negros por respeito.

Nascido em Salvador, aos 5 anos de idade Marcelino, que até então morava com o pai, foi entregue à mãe e sua mãe-avó, que morava na cidade de Mata de São João, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Filho de uma doméstica, mãe solteira e com mais duas irmãs, ele passou toda a juventude naquela cidade, onde conheceu a luta do povo negro.

"Nós começamos a militar, eu e mais um grupo de amigos, na Resistência Negra, uma entidade criada por nós. Neste espaço as pessoas tinham aula de dança afro, percussão, e muitas outras coisas. O movimento cresceu e criamos o Movimento Negro Unificado (MNU), que é hoje um movimento nacional. Assim começou minha trajetória no Movimento Negro. Orientaram a gente a se filiar a um partido político. Entendíamos que só havia uma forma de combater o racismo: através da tomada de poder".

"Em 1992 eu me filiei ao PT e de lá pra cá a gente foi fazendo a militância tanto no movimento negro, como dentro do partido, porque mesmo sendo um partido de esquerda, você ainda encontra muita resistência ao debate racial. Os partidos trabalham com a lógica de que a lei é transversal, a luta pelo trabalhador é o suficiente, mas não é bem assim. Com nós, negros, é diferente. Não dá pra a gente achar que, se um posto de saúde está funcionando bem, é o suficiente. Não é. Pra gente, se não tiver o corte, não adianta. Tem doenças específicas que são nossas e então você precisa se preocupar com esse público. Nós somos a maioria dos analfabetos funcionais, então é preciso pensar na educação a partir desse olhar. Quando a gente insiste no corte é porque a gente precisa de reparação, foi pra isso que a gente lutou".

O vereador conta que na década de 1990, se dizia que o racismo não existia e a militância atuava justamente para denunciar que o racismo era algo real. Ele afirma que hoje em dia, os jovens estão mais conscientes, mas o racismo ainda continua muito forte, envolvendo, inclusive, questões religiosas, como a associação que algumas pessoas fazem do povo negro com religiões de matriz africana. "As pessoas acredita que todo militante do movimento negro é adepto da religião de Matriz Africana e isso acaba afastando as pessoas do movimento. Este já é um preconceito que temos que quebrar logo de cara", explica Marcelino.

O petista destaca como o preconceito racial atinge o cidadão negro de diversas formas. "Hoje nós somos 13 milhões de desempregados. Quantos deste total são negros desempregados? Nós somos 10 milhões de desempregados. Nós somos a parte mais fraca da ponta da sociedade. E quando você vê um governo nacional que tira todas as lutas, todos os nossos direitos, arrebenta com todos nós. Os números nacionais são assustadores. Por que nós somos hoje o País que mais mata a juventude negra? Nos dados que saíram agora dos homicídios em todo o País, estamos falando de jovens negros. E o mais grave é o número de desaparecidos. 70 mil pessoas desapareceram nesse país e são jovens negros. E ninguém procura porque é pobre e preto".

Marcelino demonstra preocupação com os jovens, que se deixam influenciar por modismos, mas ainda não têm uma opinião formada sobre a sua condição na sociedade. "Vemos hoje muitos jovens com o cabelo black porque virou moda, mas quando você vai conversar, eles não têm nada do debate racial. Eu estava explicando em um debate que eu fiz recentemente, porque que uma morte na Somália vale tão pouco do que uma morte na Europa. Pra mim um atentado que mata na Europa é o mesmo que mata na Somália. Foram 300 mil mortos na Somália, mas a imprensa nacional e internacional não citou nada, nem uma linha sequer. Porque foi na África".

"Eu digo sempre que eu não quero acabar com os racistas, longe de mim pensar isso, eu só quero aumentar o número de negros conscientes. A partir do momento em que você tem consciência negra, você não vai ser hostilizado, ou molestado, ou maltratado por um racista, porque ele tem medo de você.O racista não enfrenta quem tem consciência".

O vereador contou um caso que aconteceu, onde ele foi julgado pela aparência física, fato que acontece com frequência na vida de qualquer negro. "Eu peguei um ônibus, vindo da Lapa pra Camaçari, quando chegou em São Cristovão, entraram três marginais e gritaram que era um assalto. Todo mundo já tava com o dinheirinho certinho do ladrão e eu também fazia parte desse grupo e aí ele assaltou todo mundo e me olhou. Eu com o cabelo cortado, a bolsa de couro do lado, ele me perguntou: Você não é polícia, não? Eu disse que não. Ele disse: Você tem cara de polícia. E esse rapaz me dava um tapa a cada vez que ele passava por mim, tapa e coronhada. Ele me bateu até o CIA e disse que ia me matar quando chegasse lá".

"Quando chegamos no CIA, ele disse que não ia me matar porque era o aniversário dele e ele não matava ninguém no dia do aniversário. Fomos para a delegacia de Simões Filho, demos queixa e viemos embora sem dinheiro e eu resolvi que ia ao banco no dia seguinte para sacar. No outro, dia eu fui numa agência do Baneb que tinha na Radial A, onde hoje é o Bradesco, e quando eu cheguei na porta giratória, o vigilante travou a porta e perguntou se eu estava com chave, com guarda-chuva, se eu tava com não sei o que. Aí eu disse, é verdade, ontem eu era polícia, hoje eu sou ladrão. A luta é isso, é de todos os dias, ela é permanente".

Marcelino lembra que as questões que envolvem o racismo, o preconceito e a discriminação racial, não devem ser lembradas apenas no mês de novembro e que apesar de tudo, podemos comemorar o fato de que mais negros estão inseridos nas universidades. "Novembro é bom porque a gente expõe as questões, mas precisamos debater sobre racismo e preconceito o tempo inteiro. A nossa principal ação é reagir contra o racismo".

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