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Novembro Negro: Rose Braga eleva cultura de Camaçari através da culinária

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Novembro Negro: Rose Braga eleva cultura de Camaçari através da culinária

Por: Sheila Barretto

(Foto: Divulgação)

Neste mês de novembro, onde se comemora o Dia da Consciência Negra, o Camaçari Notícias traz as histórias de pessoas negras que contribuem para a cultura de nossa cidade. Suas lutas, as barreiras impostas pelo preconceito e os relatos de sucesso. Nossa segunda personagem é a produtora cultural Rose Braga, que através da gastronomia e de trabalhos sociais, eleva a cultura local e leva o nome de Camaçari para o Brasil.

Feijão de Barro

Rose conta que desde pequena sempre foi apaixonada por cozinha. Enquanto sua avó e sua mãe cozinhavam, ela ficava na beira do fogão observando tudo, querendo saber como fazia cada receita. Junto com o amor pela culinária, a menina trazia dentro de si uma independência que a fez buscar o próprio dinheiro desde cedo.

“Eu sou apaixonada por cozinhar e desde menina que eu tive essa expertise, sempre estava na cozinha ajudando minha mãe, minha mãe saía cedo pra trabalhar e eu ficava fazendo a comida em casa pra minhas irmãs, inventando receita. Mas essa coisa do empreendedorismo já me é também de muito nova porque eu me lembro que quando estavam reformando essa feira nova de Camaçari e botaram uma feira provisória onde hoje é a Cidade do Saber, eu com 12 anos de idade, fazia pastel, botava no balaio e ia vender na feira”, relembra.

Anos depois ela teve a chance de trabalhar em um restaurante e sua comida logo ganhou fama entre os clientes. “A primeira vez que me deram uma oportunidade de trabalho na área de gastronomia foi no restaurante Nova Opção de Dona Vera. O pessoal do Banco do Brasil da época, da Caixa Econômica, todo mundo ia comer lá e só queria comer das minhas moquecas”.

“Depois que eu sai de lá de Dona Vera, fui trabalhar no Polo Petroquímico, também na área de gastronomia, tomei vários cursos pra me profissionalizar no SENAC e na antiga Vaca Mecânica. Só que quem é empreendedor não consegue trabalhar para os outros. Eu trabalhava, mas sempre estava faltando uma coisa. Eu sempre fiz com amor, com dedicação, com carinho, com orgulho, mas estava sempre no meu subconsciente: ‘poxa, eu tenho que fazer uma coisa pra mim’”.

E foi assim que Rose começou a vender feijão e chegou a abrir o próprio restaurante no Buri Satuba. “Como eu já gostava de fazer feijoada, eu pensei em começar a fazer pra vender aos meus amigos. De repente, e foi uma coisa que eu também não esperava, houve um despertar do público e o meu diferencial é que eu cozinho na panela de barro e na lenha, do jeito que minha avó me ensinou. No começo, o nome do meu restaurante era Escondidinho, porque era num bairro de periferia, então eu quis fazer alusão a um lugar escondido, mas depois eu entendi que o meu feijão tinha que vir pra frente, sair do fundo do quintal. Então, no ano de 2006, eu mudei o nome do meu restaurante pra Restaurante Feijão de Barro”.

Atualmente o restaurante virou Espaço Cultural Feijão de Barro, onde são realizados os eventos. “Hoje eu já ganhei outros mundos, já fui expor em várias cidades do Recôncavo, fui fazer uma exposição na Fenagro, agora vou fazer em Praia do Forte, estou fazendo em Arembepe, já fiz em Guarajuba e sempre recebendo convites pra fazer exposições dessa gastronomia que remete a nossa ancestralidade, porque eu entendo que eu não vendo só o feijão, é toda uma gastronomia regional. Eu também faço demonstração com beiju, doces, compotas, tudo que remeter a nossa ancestralidade vai ter no meu evento”.

Projeto Samba é Cultura

Há 7 anos, Rose Braga vem realizando o Projeto Samba é Cultura, uma homenagem aos mestres da cultura popular de Camaçari. “A linha que eu gosto de trabalhar é a cultura popular, com samba de roda, samba chula, linkado com a feijoada. É um evento que já acontece todos os meses de setembro e é sempre casa cheia, faz sucesso, todo mundo quer resgatar aquela coisa do samba de roda de raiz que já estava se perdendo na cidade”.

Como produtora cultural, Rose realiza também diversos workshops de gastronomia afro-brasileira e participa da Rede de Turismo Étnico Afro, o que acabou fazendo com que ela recebesse um convite super especial.

“Nós fomos convidados por um sambista que é um dos organizadores da Beija Flor, Mazim Mazamba, para representar Camaçari no desfile da Beija Flor no carnaval do Rio de Janeiro. Nós vamos fazer uma exposição lá com acarajé, doces, feijão, beiju, e levar o samba de roda daqui de Camaçari pra mostrar, porque eles ficam encantados e esse é um período que tem muitos turistas estrangeiros e é uma porta que se abre, é o nome de Camaçari que está saindo desse contexto e já ganhando o mundo com uma outra vertente, não mais somente com essa coisa da indústria, que é a capital industrial do Nordeste. Hoje a gente pode dizer que Camaçari é uma cidade que tem cultura, que tem uma boa gastronomia”.

Quilombo de Cordoaria

Rose Braga tem uma história de trabalho social muito importante em uma região de Camaçari que é pouco conhecida até pelos moradores, o Quilombo de Cordoaria, que fica na zona rural de Vila de Abrantes. Ela conta a primeira impressão que teve ao chegar lá e como contribuiu para aquela comunidade sentir orgulho de ser o que é.

“No primeiro dia que eu fui na Cordoaria e eu fui entrando naquela mata, naquelas montanhas, eu fui me enchendo de amor, parecia que eu estava voltando pra minha casa, uma coisa muito forte, parecia que eu já tinha vivido naquele lugar e eu me emocionei muito porque é um lugar lindo, de mata, de rio, de cachoeira, de grutas. Eu me encontrei nesse lugar, foi uma questão espiritual, íntima. Eu me apaixonei pelo lugar e não consigo mais viver sem Cordoaria”.

“Quando eu cheguei lá há dois anos, eu encontrei uma comunidade extremamente preconceituosa na questão do entendimento de ser quilombola. Eu percebi que as pessoas não queriam se intitular quilombola porque achavam, por alguém ter dito a eles na questão da religião, que isso era demoníaco, então eles não se identificavam como quilombola”.

Rose conta que percebeu que muitas pessoas saíam da comunidade para procurar emprego em outro lugar porque não percebiam o potencial que aquele lugar tinha. “Eu comecei a trabalhar isso neles, dei várias palestras de empreendedorismo negro, levei a Rede de Turismo Étnico Afro lá pra comunidade, através da Bahiatursa e da Coordenação de Turismo aqui de Camaçari, pra que eles começassem a perceber que eles, enquanto quilombolas, eram tudo. Não precisava mais nada, aquilo ali pra eles já era tudo, só bastava eles se apropriarem disso e buscar os benefícios que a identificação da reparação de ser um quilombola trazia pra eles”.

Após dois anos morando em Cordoaria, Rose Braga voltou para a sede, mas a semente que ela plantou naquela comunidade continua dando frutos. “Eu sou muito grata a Deus por ter tido essa oportunidade na minha vida de poder ter levado esse projeto pra Cordoaria e hoje tá um sucesso, nas redes sociais Cordoaria já está em vários países do mundo, eu já levei turistas brasileiros, italianos, alemães pra comer feijoada, comer beiju”.

Vencendo o preconceito

Das diversas histórias de preconceito racial que os negros sofreram e ainda sofrem, Rose Braga não ficou imune. Ela conta que sofreu discriminação quando foi dar uma palestra sobre empoderamento negro e uma mulher na plateia questionou o fato de ela não ter um tom de pele tão escuro (como se só os negros retintos pudessem lutar pelos direitos da raça negra). Foi discriminada também por não ter nascido quilombola e ter se inserido naquela comunidade, mas um caso em especial chamou a atenção.

Rose contou um episódio que viveu na adolescência envolvendo seu avô. “Eu arrumei um namorado na adolescência e ele era bem negro, aí meu avô chegou em casa retado, chamou a família pra fazer reunião e disse: ‘Essa menina tá namorando com um negro, não tá vendo que ela não vai ter oportunidade na vida? Não tá vendo que o povo vai fazer ela passar vergonha? Não tá vendo que esse homem não vai querer nada com ela? E ainda por cima não vai limpar a cor, os filhos vão nascer mais pretos ainda!”.

“Hoje eu entendo a preocupação que meu avô tinha. Ele achava que se eu me casasse com um negro, meus filhos iam nascer mais negros e iam sofrer preconceito, dificuldades, porque a gente não tinha os mesmos direitos que um branco tinha. Era essa a preocupação de meu avô. Na época eu era jovem e não consegui entender, achava que meu avô era preconceituoso e estava me ensinando a ser preconceituosa também, quando na verdade ele estava querendo me proteger das mazelas da discriminação racial que ainda existe até hoje”.

Rose afirma que sempre foi consciente do que era e sempre soube onde queria chegar e que era capaz de alcançar seus objetivos. “Eu cresci com o pensamento de que eu podia ser negra e ser uma pessoa melhor. Não é fácil trabalhar com produção cultural porque um dia dá certo, no outro não dá, mas mesmo assim você sai vitoriosa, mais forte, mais firme pra fazer outras coisas, quando você está fazendo o que você ama. E não pensar só em si. Eu sempre trabalho no meu cotidiano, empoderando outras pessoas, porque eu acho que quando você empodera outras pessoas, é inevitável, você se empodera”.

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