Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Notícias

/

Geral

/

Homem morre após fazer tatuagem e laudo do IML sugere intoxicação por anestésico

Geral

Homem morre após fazer tatuagem e laudo do IML sugere intoxicação por anestésico

Segundo especialista, aplicação de cremes anestésicos deve ser feita sob orientação médica.

Por: G1

A investigação aponta que o spray de lidocaína estava no prazo de validade quando foi utilizado — (Foto: Reprodução)

A Polícia Civil do Paraná (PC-PR) investiga a morte do vendedor David Luiz Porto Santos, de Curitiba. Ele morreu logo após fazer uma tatuagem no braço. O tatuador está sendo investigado.

Em depoimento à polícia, a esposa da vítima, Monike Caroline de Freitas, disse que o marido teve uma reação quase que imediata à lidocaína — substância anestésica usada pelo tatuador.

"Na hora que tava limpando o excesso [do medicamento], meu marido perguntou o que ele tinha passado, e ele [tatuador] falou que era um anestésico. Depois, ele começou a passar mal. O tatuador falou: ‘Dá sal pra ele’. O outro rapaz que tava junto deu o sal, e coloquei debaixo da língua do meu esposo. Meu marido só fazia assim [balançava a cabeça] que não tava bem. Botei a mão no peito dele e falei pro tatuador que ele tava com o peito acelerado."

A advogada Graciele Queiroz e o advogado Jefferson Silva, que defendem o tatuador, disseram que não houve irregularidade na aplicação do medicamento e destacaram que José Manoel tem sete anos de atuação no mercado.

O laudo do Instituto Médico Legal (IML) não precisou quantas vezes ou em que quantidade o medicamento foi aplicado em David, mas indicou que os exames são "sugestivos para intoxicação exógena por lidocaína”.

O caso aconteceu em 27 de agosto de 2021 e é investigado desde então. De acordo com o delegado Wallace de Oliveira Brito, do 6º Distrito da Polícia Civil do Paraná, o tatuador foi intimado a prestar um segundo depoimento sobre o caso nesta quinta-feira (16).

No primeiro depoimento à polícia, o tatuador afirmou ter aplicado a substância após a solicitação de David, o que a esposa nega ter acontecido.

Um dos documentos que respalda a investigação da PC-PR é o laudo pericial do IML, que encontrou lidocaína no corpo da vítima.

A substância aplicada no corpo do tatuador foi de uso tópico, em forma de spray, com dose de 20%.

Segundo resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), a aplicação de anestesias pode ser feita apenas por algumas categorias de profissionais. No caso de anestésicos, o órgão diz apenas que o uso dos medicamentos não pode invadir a competência médica.

“É um caso inédito. Pelas circunstâncias, ele [tatuador] violou um dever de cuidado. Quando um profissional faz isso, ele assume risco”, afirmou o delegado.

Primeira tatuagem da vida

De acordo com a investigação da polícia, David morreu aos 33 anos, quando fazia a primeira tatuagem.

O tatuador José Manoel disse em depoimento que a arte era grande, composta por vários desenhos, praticamente “fechando” o braço esquerdo do cliente.

A esposa de David contou à polícia que, antes de morrer, o marido teve várias reações, como pressão baixa, palidez, batimento cardíaco acelerado, fala embaralhada, veias dilatadas, perda de sentido e convulsão. Os sintomas, segundo ela, apareceram ainda no estúdio, durante a tatuagem.

O laudo do IML indica que a intoxicação por anestésico local depende de vários fatores, entre eles a velocidade com que se estabelece a aplicação do medicamento.

“A lidocaína pode ser absorvida logo após a aplicação e seu grau de absorção e porcentagem da dose absorvida dependem da dose total e da concentração administrada, do local de aplicação e do tempo de exposição ao anestésico. A toxidade sistêmica está associada a doses elevadas da medicação”, diz laudo do IML.

À polícia, José Manoel disse que aplicou o medicamento em David uma única vez e que, na rotina de trabalho, utilizava a substância apenas em casos em que percebia que o cliente estava com muita dor, o que seria o caso do cliente.

Segundo a esposa de David, o marido não reclamou de dor, nem aparentava estar incomodado com a sessão de tatuagem.

De acordo com a investigação, a sessão de tatuagem de David começou durante a manhã e foi até a noite, por volta de 21h.

Em depoimento ao delegado Wallace, a esposa de David afirmou que o anestésico foi aplicado na região do ombro. Lembrou, também, que as reações do marido começaram pouco após o excesso do medicamento ser retirado pelo tatuador.

Para a polícia, em um primeiro depoimento, o tatuador contou que prestou auxílio desde o momento em que David começou a passar mal, orientando o homem e acionando o Samu.

Sem resposta rápida do socorro, o profissional disse ter levado o homem a um hospital particular de Curitiba. Afirmou, também, que ficou no local esperando notícias do cliente junto à família.

O tatuador disse acreditar que o caso foi uma fatalidade e que, depois da morte, parou de usar lidocaína e qualquer tipo de anestésico em sessões de tatuagem.

O laudo da morte

O laudo do IML só localizou lidocaína no corpo de David — nenhuma outra substância — e indica que a causa da morte é indeterminada. Exames internos e externos da necropsia, entretanto, detectaram mudanças corporais em David.

Em um dos exames, o IML aponta, por exemplo, congestão pulmonar e coração aumentado, mas não detalha se o motivo foi a lidocaína.

O laudo do IML também contestou a porcentagem de lidocaína presente no medicamento aplicado em David.

O laudo diz que “as medicações a base de lidocaína tópica são usualmente vendidas em creme a 4% e spray a 10%”, diferentemente da versão aplicada no cliente, de 20%. O relatório também cita que a vítima tinha bom desenvolvimento muscular e bom estado de nutrição.

À polícia, o tatuador afirmou que o medicamento foi manipulado e que apresentou receita para solicitá-lo em uma farmácia. Disse, também, que o produto estava dentro do prazo de validade.

O tatuador também afirmou que, antes de fazer a tatuagem, David assinou um termo de consentimento, no qual não declarou alergias nem nenhum problema de saúde.

Andamento das investigações

O delegado Wallace Brito explicou que entre os crimes pelos quais o tatuador pode responder, caso seja indiciado, está o de homicídio culposo — quando não há intenção de matar.

Apesar de o caso ter começado a ser investigado logo após a morte de David, o inquérito só chegou ao delegado Wallace, no 6º Distrito da Capital, em fevereiro de 2022.

O que diz a lei

Parecer técnico do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) explica que a aplicação de anestésicos, quaisquer que sejam, constituem ato médico. Em alguns casos, outras categorias, como dentistas, também podem utilizar as medicações.

O mesmo documento ressalta que a prática de anestesia por leigos “não só é proibida, como também pode causar sequelas”.

“Neste passo, tal procedimento caracteriza-se como exercício ilegal da medicina, devendo, os que assim procedem, ser denunciados à autoridade policial para que sejam tomadas as medidas cabíveis”, detalha o documento.

Para a prática de médicos anestesistas, por exemplo, uma resolução do Conselho Federal de Medicina determina que para qualquer anestesia, exceto em situações de urgência e emergência, deve-se saber com antecedência “as condições clínicas do paciente, cabendo ao médico anestesista decidir sobre a realização ou não do ato anestésico”.

A médica anestesista Ursula Bueno do Prado Guirro, conselheira do CRM-PR, explica que existem cremes anestésicos locais no mercado brasileiro e que tais medicações podem ser utilizadas sob orientação médica, quando se prevê dor superficial na pele.

Ela ressalta, entretanto, que o uso precisa ser em pequena quantidade e em uma área limitada.

"No entanto, o uso de anestésicos em creme sobre a pele apresenta riscos para a saúde como reações na pele e alergia, que podem levar a quadros graves", explica a médica.

Ursula também explicou que, com este tipo de medicamento, há risco de intoxicação pelo uso excessivo ou, ainda, se utilizado na pele que não está íntegra ou sobre mucosas, o que pode levar a uma absorção maior que a esperada e causar quadros de intoxicação.

Profissão não regulamentada

Atualmente a profissão de tatuadores não é regulamentada, por isso, não há regras claras sobre os direitos e deveres legais dos profissionais.

Na Câmara dos Deputados, um Projeto de Lei de 2006 tentou regulamentar a profissão de tatuador, mas foi arquivado.

Em 2007, outra proposta de criar regras para a prática de tatuagem e piercing também foi apresentada. A última movimentação foi em 2021. O projeto está pronto para avaliação da Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF).

O que diz a defesa do suspeito

Em nota, a defesa de José Manoel afirmou que “o ocorrido é trágico, entretanto, atribuir a causa morte ao tatuador José, sem que exista uma investigação completa, se demonstra uma decisão precoce, pois podem existir circunstâncias desconhecidas sobre o fato”.

A defesa também destacou que a sessão de tatuagem foi dividida em duas partes e que, no segundo momento, David pediu “a aplicação da lidocaína para amenizar a dor”.

“Salienta-se que este antes de começar a tatuagem, assinou o termo de declaração informando que não possuía nenhuma alergia pré-existente. [...] Deve-se investigar para que se possa compreender a causa morte [...] A defesa está fazendo as investigações coerentes que o caso necessita, com profissionais da saúde, uma vez que os próprios exames não demonstram a verdadeira causa morte.”

Siga o CN1 no Google Notícias e tenha acesso aos destaques do dia. 

Relacionados