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Recepcionista pede licença-maternidade para filha "reborn" e move ação trabalhista na Bahia

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Recepcionista pede licença-maternidade para filha "reborn" e move ação trabalhista na Bahia

Caso inusitado reacende debate sobre maternidade socioafetiva e saúde mental no ambiente de trabalho

Por: Camaçari Notícias

Foto: Divulgação

A febre em torno dos chamados “bebês reborn”, bonecas hiper-realistas que imitam com perfeição a aparência de recém-nascidos,  continua rendendo episódios peculiares. Desta vez, uma ação trabalhista protocolada na Justiça do Trabalho da Bahia está chamando atenção por seu ineditismo e por levantar uma complexa discussão sobre os limites da maternidade afetiva no ambiente corporativo.

Na última terça-feira (27), uma recepcionista de Salvador ingressou com uma reclamação trabalhista contra uma empresa do ramo imobiliário. No processo, ao qual o site BNews teve acesso, a trabalhadora solicita, entre outros pedidos, o reconhecimento da maternidade afetiva em relação à sua boneca reborn, batizada de "Olívia", e o direito à licença-maternidade de 120 dias. Por questões de privacidade, os nomes da funcionária e da empresa estão sendo mantidos em sigilo.

Vínculo emocional e alegações de constrangimento

Contratada em abril de 2020 com salário mínimo, a recepcionista relata ter desenvolvido um vínculo emocional profundo com a boneca, tratada por ela como filha. Segundo a petição inicial, a funcionária passou a cuidar da boneca com a mesma dedicação de uma mãe: dando nome, vestindo, embalando e mantendo uma rotina de cuidados que, segundo ela, gerou impacto significativo em sua saúde emocional e mental.

Ao comunicar à empresa sua condição de “mãe” e solicitar licença-maternidade, a trabalhadora afirma ter sido ridicularizada por colegas e pela chefia. "Disseram que eu precisava de um psiquiatra, não de benefício", relatou à Justiça.

A defesa argumenta que a negativa do pedido e o ambiente de zombarias configuraram falta grave por parte da empresa, justificando a solicitação de rescisão indireta do contrato de trabalho com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Também foram pleiteados R$ 10 mil por danos morais, além de pagamento retroativo de salário-família, liberação do FGTS, guias do seguro-desemprego e a concessão de tutela antecipada para imediata rescisão.

“O bebê reborn, artisticamente criado, não é mero objeto inanimado. É, para a Reclamante, sua filha”, escreveu o advogado da funcionária na ação. “É portadora de nome, vestida com ternura, acolhida nos braços e no seio emocional da autora, que dela cuida, vela, embala e protege, como qualquer mãe.”

Maternidade além da biologia

O processo, que tramita em rito sumaríssimo no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, ainda aguarda distribuição para uma das varas do trabalho de Salvador. A defesa sustenta que, embora a maternidade da funcionária não tenha base biológica, ela deve ser reconhecida legalmente como legítima, com base nos avanços do direito civil, da psicologia e da neurociência.

“Negar esse direito é negar a própria subjetividade feminina”, diz a peça jurídica. “É reduzir a mulher à sua função reprodutiva, ignorando os avanços sobre o vínculo de apego e parentalidade emocional.”

O que são os bebês reborn?

Com aparência extremamente realista, os bebês reborn são bonecos artesanais criados a partir de moldes de vinil ou silicone. O processo de criação, chamado “reborning”, envolve camadas de pintura, implantação fio a fio de cabelos e detalhes como veias, unhas e até cheiro de bebê. Esses itens podem ultrapassar valores de R$ 5 mil, dependendo do nível de realismo e dos materiais utilizados.

Nas redes sociais, os reborns se tornaram um fenômeno. Influenciadores digitais promovem conteúdos com os bonecos e reforçam a ideia de cuidado materno, especialmente entre pessoas que lidam com traumas, perdas gestacionais ou dificuldades emocionais.

Outros casos semelhantes

Esta não é a primeira vez que um caso envolvendo bebês reborn chama atenção na Bahia. No último dia 18 de maio, uma mulher de 26 anos levou sua boneca para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Guanambi, no centro-sul do Estado, solicitando atendimento médico para o "bebê". A jovem chegou a passar pela triagem, mas teve o pedido negado pela direção da unidade, que identificou o boneco. Segundo relatos, a mulher sofre de depressão e teria comprado o reborn por R$ 2.800.

Reflexão jurídica e social

Embora a ação trabalhista ainda esteja em fase inicial, o caso lança luz sobre temas complexos e contemporâneos, como a ampliação do conceito de família, o papel do afeto na formação de vínculos parentais e os limites entre liberdade individual e normas legais no ambiente corporativo.

Especialistas do Direito e da Psicologia devem acompanhar de perto a repercussão da ação, que pode abrir precedente para debates mais amplos sobre saúde mental no trabalho, maternidade socioafetiva e reconhecimento jurídico de laços não convencionais.

Enquanto a Justiça não decide, a história de Olívia e sua “mãe” permanece no centro de um dos processos mais inusitados já registrados no campo trabalhista baiano.

 

 

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